24.3.12

Pobre ou humilde? (sobre humildade)



Ao se dirigir a alguma pessoa como o poder aquisitivo menor que o nosso, quando somos o interlocutor, ou pessoas que têm bens e pouco conhecimento, do nosso ponto de vista, sempre preferimos utilizar o termo humilde ao invés do termo pobre. Mas, não provocando os filólogos, há uma grande diferença entre os dois ternos, principalmente no contexto que são usados. Preferimos utilizar a palavra humilde por considerarmos o termo pobre uma palavra de cunho pejorativo e preconceituoso.

Ao ler uma coletânea de ensaios sobre os trabalhos de alguns filósofos incluindo Marx, Adorno, Foucault e Bourdieu. Nos finais dos textos, o editorial da publicação, trazia uma pequena biografia do pensador estudado, e na biografia de um deles está dessa maneira: “Pierre Bourdieu (1930- 2002) Filho de família humilde...” Ora, porque será que o editor não disse que o filósofo vem de uma família pobre? Será que há um preconceito com a palavra pobre? Sabemos que grandes nomes da humanidade tem origem pobre, porque não usar esse termo. Na mesma revista aparece a biografia de Carl Marx que era pobre e sustentado por amigos, mas isso não aparece.

No livro “Pequeno tratado das grandes virtudes” o filósofo André Comte-Sponvilli descreve a humildade como uma virtude humilde e que as vezes não é classificada como virtude. Uma vez que ser humilde é aceitar os erros e considerar alguém ou algo maior que o eu. Assim ela passa a ser uma virtude dos que se ajoelham e aceitam o seu destino. Spinoza diz que a humildade é uma tristeza nascida do fato de o homem considerar sua impotência ou sua fraqueza. Se a humildade é uma tristeza, então não é uma virtude é um estado de alma.

Aristótoles coloca a humildade como baixeza ou pequenez “Ser baixo é privar-se daquilo de que é digno, é desconhecer o seu valor real, a ponto de se interditar qualquer ação um pouco elevada, por nunca se acreditar capaz dela.” Para Bernard Poutrat baixeza é fazer de si, por tristeza, menos caso do que seria justo.

Neste tempo em que os programas de auto ajuda proliferam será que o terno ou a virtude humildade vem sendo empregado de forma correta? Lembrando que a baixeza nasce da humildade. Quando a humildade se torna baixeza entramos num círculo vicioso e perigoso dando razão ao que diz Kant “quem se transforma em minhoca não deve queixar-se depois, de ser pisado.” A humildade também pode ser o ato de deixar que pisem em nosso ego. Muito cuidado, diversas sabedorias religiosas nos levam a transformar em minhocas.

Em relação a isso Nietzsche rebate “A minhoca se enrola quando pisamos nela. Isso encerra muita sabedoria. Com isso, ela diminui a possibilidade de que tornem a pisar nela. Na linguagem moral: humildade.” Essa é, ao meu ver, uma inteligente definição de humildade. Aceitar o erro para não tornar as coisas piores. Mas também não pode ser usada em todas as ocasiões. É claro que não posso aceitar uma argumentação de uma autoridade legislativa desprovida de conhecimento num assunto que estudei para discutir. Nesse caso e em outros nunca serei humilde. Ou melhor, isso não é humildade e sim aceitar a opinião simplesmente porque o outro detém um título.

A humildade é um saber antes de ser uma virtude. Mais vale se depreciar do que se enganar. Santo Agostinho completa “Onde está a humildade está também a caridade.” Se a caridade é para os humildes então podemos dizer que a humildade pertence aos pobres. Mesmo assim não podemos utilizar a humildade como baixeza.

O termo pobre define a ausência de algo. Aquele que não tem o necessário a vida. Se for assim, podemos dizer que os brasileiros que se encontram na linha da pobreza não dispõe do necessário para a vida? Estão morrendo? Isso é outro erro. Mas porque em alguns casos utilizamos o terno pobre, e não preferimos o termo humilde. Ex. Esse texto está humilde de informação. Ele é humilde de espírito.

Para afirmamos que o filósofo estudado veio de uma família humilde, o autor do ensaio teria que pesquisar muito mais do que as posses da família. Já que no texto a humilde significa pobre porque não usar família de poucas posses?

Eu vim de uma família pobre, de pouquíssimas posses, mesmo assim não considero totalmente humilde. Porque acredito que ser humilde não é virtude apenas de quem tem poucas ou nenhuma posse. Posso afirmar que não me transformei na minhoca de Kant. Mas com certeza usei a comparação da minhoca feita por Nietzsche. E em minha biografia colocarei que vim de uma família pobre. Agora humildade mesmo é reconhecer que necessitamos de mais conhecimentos e estudar. Estude para não cair na baixeza, e ser um pobre de conhecimento.

Valter Figueira 

Um comentário:

Anônimo disse...

Obrigada por suas palavras, Valter!
Há anos estas pseudodefinições de caráter que se amparam em confições financeiras me irritam profundamente. Porque sei são feitas para criar um grupo que NÃO será colocado em pé de igualdade com ricos, por exemplo. Na verdade,será o oposto já que junto do 'humilde' vem um coitado, e subentendido, uns fracassado, preguiçoso, lento, inútil, peso; em contraposição aos orgulhosos bem-sucedido, vigoroso, ágil, útil e de valor. Desta maneira a sensação que dá é que pessoas pertencentes às classes baixas não seriam quem carrega uma sociedade nas costas, mas sim quem merece a pena, a compaixão e o "carregar" dos que olham "de cima".
Soa realmente estranho perceber que não passa de construção de discurso que infelimente nós, inconscientemente, reproduzimos mas que devemos quebrar, romper definitivamente. E, por favor, que em sua biografia esteja escrito a verdade porque para mim pobreza não é sinônimo de humildade e nem riqueza (material) é sinônimo de caráter, honradez ou orgulho.

Lerei um de seus livros agora que o descobri.

Até mais!