O sol apregoava a
costa de Zozé ali emborcado catando as maçãs de algodão que relavam no chão.
Estão úmidas, vão render mais no peso — dizia. E
Zozé não levantava já fazia quase vinte minutos. Suas costelas danaram a doer em
sinal do tempo que estava passando.
— O peso da idade judia da gente, não rende mais.
— Será que vai chover Zozé?
— Vai não, hoje você vai ter que mijar no fardo.
— Vou nada, eles desconfiam Zozé!
O sol estava a pino, longe via-se uma manada de nuvens negras se
achegando e se acomodando para juntar chuva.
— À tarde, depois da boia chove Zozé.
— Cê num é adivinhadô!
— Não é advinhadô Zozé, é adivinho.
— Se qué ensiná, vai ser professor e não catadô de algodão!
— Calma Zozé, eu apenas quis ajudar. Nós estamos tudo na merda mesmo.
Amanhã é Natal você sabia Zozé?
— E daí? Você vai chamar o papai Noel? Lá em casa não tem dessas coisas
não.
Zozé sempre viveu e acredita que sempre
viverá da roça. Mas essa roça de hoje não é como a de antigamente. No seu tempo
de homem moço, forte, maçudo, era meeiro, morava na colônia, tomava água da
mina e banho no riacho. Agora tudo é difícil, tem que pagar aluguel, pagar
água, pagar luz, o dinheiro que tira não dá para nada. Nunca imaginou que teria
de trabalhar duro até véspera de Natal. Para ele Natal nunca foi grande coisa,
tinha as rezas, as novenas nos sítios vizinhos. Na cidade não, o povo enche a
cara. Tá todo mundo querendo beber e ficar incomodando os que querem paz.
— Zozé! Você tem carne no almoço hoje?
— Que nada! Só tem um zoião mesmo.
A carne é rara, aparece mais nos discursos utópicos dos sonhadores
comedores de zoião. O ovo frito, que outrora era a esperança da continuação das
galináceas, torna-se esperança de vida e alimento dos desesperados catadores de
riqueza.
— Zozé! Um dia ainda vou ficar rico, você vai ver. Vou ajudar toda essa
gente pobre que precisa trabalhar na véspera de Natal.
— É bom você trabalhar, senão nem para comer amanhã você tem. Deixa para
sonhar de noite.
As
bolas de algodão verdes incitavam a imaginação de Zozé, mais pareciam bolinhas
das árvores de natal. Não entendia por que não encontrou ainda no mato uma
árvore igual àquela. “É pinheiro!” não tem no mato — disse certa vez dona Nina.
E indagou: “Por que será que não usam uma árvore fácil de encontrar? Como a
mangueira? Ou jabuticabeira que são mais bonitas?”
— Zozé! Você sabe o que o pessoal vai fazer hoje a meia noite?
— É a missa do Galo?
— Zozé!! Oh Zozé!! Acorda homem de Deus. Será que não lembra que a Missa
do Galo é na Sexta-Feira Santa?
— Ah é?! Achei que era na Missa do Galo que aparecia o papai Noel, como
o Galo não canta ele não aparece. E aonde é que ele aparece que eu nunca vi um
de verdade?
Para Zozé todos os que ele encontrou
fantasiados de velhinhos vermelhos, eram na verdade personagens disfarçados de
Papai Noel. Seu pai não podia presentear a prole de 10 filhos, contou-lhe a
verdade muito cedo. Assim, aprendeu na vida a diferenciar sonhos de realidade.
Os Natais eram sempre iguais, e Zozé sabia que tinha que se esforçar
para não ser alienado pela propaganda. Ou seria sentir inveja? Não! Zozé não
era invejoso. Seu pai ensinou-os a se conformarem com a situação, e pelo menos,
trabalhar para não passar fome. O Natal não coloca comida na mesa, não paga
contas. Então! Como pode ficar em casa de papo para o ar e dizer que é Natal?
— Zozé!? Hei Zozé! Você vai comemorar o Natal em sua casa?
— Eu vou rezar na igreja.
— Não estou falando de rezar. Estou falando de festejar, tomar umas
cachaças.
— E rezar não é comemorar? Será que Jesus Cristo quer que eu encha a
cara para comemorar o nascimento dele?
Zozé sabia das coisas, era esperto, apesar da simplicidade e da ignorância
em certos assuntos de banco de escola que alguns teimam em dizer que é burrice.
Que para comemorar não é preciso encher a cara e basta respeitar como ele
respeitava. Basta amar o semelhante como ele amava. Como também basta viver
como ele vivia.
Era véspera de Natal, as bolas de algodão lembravam luzes. A chuva
aproximava, o vento balançava as folhas e Zozé ali na labuta embodocado catando
as maçãs de baixo que estavam mais pesadas. Olhou para o céu e disse — Vai chover, que bom! Não será preciso mijar no
fardo.