28.6.09

PARECE QUE FOI ONTEM

Fui pai de nada, esposo da brisa e amante
desolado de causas insolúveis.

Depois de cada cidade que percorri
vendendo saudades imperfeitas,
vendendo melodias nuas,
entre lábios que partem
sobre o gesto vacilante da brisa,
Sucumbi de amor e entreguei-me
ao delírio.


Nas tardes infantis aparecem
perfeitas recordações lacrimosas,
dos jogos que não joguei
nos espaços de sólidas madeiras
entre beijos contínuos,
como um rio em flor.
Na pureza das palavras e
na loucura do silêncio.

Desejo fluir no azul da ausência
numa combinação de rubis e esmeraldas.
Na liberdade do vento.
Como se fosse ontem.

13.6.09

Poemas em Homenagem a Carlinda-MT

Hino a Carlinda

Nas margens do Rio Telles Pires
Nasce o sonho de um povo que bendiz,
E da luta árdua, franca e gloriosa,
Surgiu Carlinda pequena, bela e feliz.

Sua história é de luta, força e paz
Seu solo fértil o progresso produz
Belezas e riquezas que retomam
O caminho e ao futuro nos conduz.

O riacho que lhe emprestou o nome
Traz o símbolo de vida, esperança e fervor,
É mulher, mãe gentil e a seus filhos
Dedica sempre: carinho e amor.

Algo de novo no norte desponta
O comentário de um dito colosso
Que procuram e todos apontam
Como grande orgulho de mato grosso

É Carlinda, que harmoniosamente cresce
É Carlinda, hospitaleira mãe gentil
É uma estrela que brilha forte
No céu do Brasil.


Valter Figueira


Carlinda

As vagas borboletas de mil cores
Avisa o capitão e ao seu intento
Da lida escolhida entre os amores
A Carlinda amada de seu aposento.

O rio que calmo lhe diria
Da amada cordial a relembrar
De seu olhar, do amor de seu dia
Do nascimento um rio a festejar

Foi assim: por amor e carinho
Que nasceu em meio a mata afã
A vergar o progresso no caminho
Da natureza inda mais louçã.

De povoado a cidade hospitaleira
Dos filhos que adotam no coração
E as benesses que te deu a natureza
Fazem-se orgulhosos deste torrão.

As navegar pelo rio São Manoel
Na calmaria ladeado de verdores
Surge sorridente ao arrebol: Carlinda
A princesa, recanto dos pássaros tenores

Telles Pires, capitão sonhador meticuloso
Ao percorrer caminhos verdejantes
Encontrou a encantada paz desejada
No Rio Piratininga de antes.

Carlinda de sonhos e desejos
Progressistas de seus habitantes
Hoje festeja com seus filhos
Os frutos de sua terra tão pujante.

Valter Figueira

7.6.09

O Jogo - do livro A Morte do Xerife




Fazia quinze minutos que o jogo começou e os ânimos já tinham ultrapassados os limites normais. A raiva e o ódio invadia a cabeça pequena e cheia de leis do pequeno doutor. Tinha acabado de cursar a faculdade, cinco anos de sofrimento. Agora se sentia imune e um insulto como aquele merecia uma resposta à altura. O lance, conhecido como carrinho, o derrubou acabando por perder a bola. Não é nada. É um jogo entre amigos. Mas não sabe porque, uma grande sede de vingança soou alto em seu subconsciente, não reagiria, não poderia. Haverá outra oportunidade e então...
A alegria foi total, quando numa jogada quase impossível, marcou o gol. Todos o cumprimentaram. Sente uma ponta de felicidade. Finalmente sente-se útil naquele lugar em que até agora era um mero visitante, apesar de ser seu berço natal.
No intervalo a confraternização era geral, animados todos já afirmavam ter ganho o jogo. Assim sorridentes partiram para o segundo tempo. A idéia de vingança quase tinha se apagado de sua memória, quando num lance topa novamente com o sujeito e este avançava. Era o último homem, se não segurasse ele ficaria cara a cara com o goleiro e certamente marcaria o gol. O único jeito era derrubar, cometer uma falta. Alguém no banco de reserva que estava atento a jogada gritou: "Mata a jogada", pensou e decidiu fazer isso mesmo. Além de não permitir que o outro marcasse o gol, poderia vingar-se. Então num lance bruto foi com os dois pés na perna do atacante que saiu esbravejando dizendo que era um bruto e não sabia jogar. Foram aquelas palavras que soaram como um grave insulto a sua índole de advogado recém formado. Irado foi até o outro que continuava sentado no gramado se preparando para levantar, sem dizer nada, desferiu um forte chute na região da mandíbula próxima ao pescoço, que o indivíduo não agüentou e caiu inerte.
Advogado recém formado, imune como se dizia, não poderia deixar que alguém o insultasse. Virou-se e foi embora gritando que não jogaria mais. Ninguém prestou atenção no que ele dizia. E também ninguém ia continuar jogando pois o rapaz acabava de falecer. Talvez não tenha aprendido na faculdade que só pelo fato de ser advogado não era imune, ou talvez não tenha entendido direito quando lhe disseram para matar a jogada e não o jogador.

Texto retirado do Blog: Lingua de Mariposa

O ESFANDRO E A BORBOLETA

Quando ganhei esse livro, em 2001, vivia no Brasil, estava me recuperando de uma depressão e minha mãe estava desaparecida em si mesma, numa enfermidade carnívora. Uma doença que vai tirando da pessoa tudo que é dela, até suas lembranças mais viscerais. Depois ela transforma a pessoa em uma casca vazia, só mata depois que destroi tudo.Quando soube que o livro contava a história de um jornalista francês que havia sofrido um acidente cerebral e que havia escrito o relato piscando um olho para as letras do alfabeto que uma enfermeira lhe mostrava, não tive coragem nem de abri-lo.Guardei o presente para ler em outra época. Eu estava tão fragmentada ainda. Tinha um medo horrível de entrar no túnel escuro da tristeza sem nome... precisava cuidar mais das minhas emoções e tinha consciência da fragilidade da minha saúde afetiva.Aliás, essa foi uma aprendizagem da época. Aprendi a cuidar mais de mim. Aprendi a perceber quando estou mais sensível, mais vulnerável... e evitar expor-me a sensações muito fortes.Mas... um dia desses, arrumando as novas estantes da casa, encontrei o livro. Li a dedicatória carinhosa da amiga brasileira e criei coragem, abri a primeira página e comecei a ler. E não parei mais até que o terminei. Li de um só fôlego.Foi fantástico ver o mundo através de sua experiência. Uma hora com humor, outra emudecida pela impotência, outra ainda entre lágrimas de saudades das coisas mais simples, como estender a mão e fazer uma carícia...
Vou contar um pouco a história.
Jean Dominique Bauby, um jornalista francês, bem sucedido, jovem pai de dois filhos e cheio de energia, sofreu um acidente vascular cerebral com pouco mais de quarenta anos, entrou em coma e quando saiu deste estado percebeu que sua mente estava quase intacta... mas o único que havia perdido era a conexão com seu próprio corpo. Estava completamente paralisado, numa síndrome chamada "locked-in", que significa "trancado em si mesmo". Não podia mexer-se, comer, falar, nem sequer respirar sem ajuda de uma máquina. Apenas um olho se mexia. Ele piscava. Uma vez para dizer sim e duas para dizer não.

Com esse único movimento físico ele decidiu se comunicar com o mundo, seus filhos e seus amigos e contar que estava vivo, que pensava sair daquela prisão e queria que soubessem o que ele sentia lá dentro de sua cabeça e de seu coração. Para isso ia piscando e indicando as letras que iriam formar as palavras e frases de um livro espetacular de 140 páginas.Emocionada, fiquei me lembrando dos monólogos que tive com a Princesa, durante seu último ano de vida, desejando que dentro dela estivesse escondida a mulher que ela era. Recordei as histórias que eu lhe contava, as músicas que cantava, as sinfonias e concertos que fazia tocar no som de seu quarto, baixinho, para que pudesse escutá-las mais uma vez. Às vezes eu tinha a impressão que algo em sua expressão mudava... Era só uma impressão?Talvez.
Aprendi muito sobre a vida com a morte da minha mãe. Eu já disse muitas vezes e vou repetir, minha mãe me pariu outra vez quando morreu.Não quero que isso seja visto apenas como um drama particular, embora sua morte tenha sido dramática para mim. Estou falando de como reaprendi a viver. Estou falando de aprender a dar o valor real à vida e tomar consciência de sua fugacidade. Aprender a valorizar a memória, a imaginação, a capacidade para mover-se, ler um livro, escutar uma música, abraçar um filho, um amigo. Aprender a valorar mais as relações e menos as coisas. Agora. Enquanto é possível.
Estou falando em ter consciência disso on line, durante a ação. Saber que este é um privilégio que algumas pessoas perderam num segundo... e que a gente não tem sequer a noção do que significa essa perda.
Bauby também ensina os verdadeiros valores da vida desde sua prisão - seu corpo - um escafandro, como ele o chama... e de sua alma, a borboleta com a qual ele voa, visita seus filhos, viaja pela Paris que adora, toca e beija seus queridos...
É impossível ser o mesmo depois de ler seu livro. Não é ficção, é real. Aconteceu de verdade... Só não reflete e aprende quem for impermeável.Descobri, cafufando a Internet, que rodaram um filme em 2007 que foi indicado a 4 Oscars. Como assim? E eu não vi!Pois sim. Em 2007 eu estava vivendo lá no meu monte, longe de... quase tudo. Aposto que ele não passou no pequeno cinema da praça de Los Santos Niños, em Alcalá de Henares.
Li algumas críticas excelentes. Vou tentar encontrá-lo em uma locadora por aqui por perto. O diretor é o mesmo de Antes do Anoitecer, um de meus filmes queridos, e trata o tema com delicadeza, fugindo do dramalhão piegas hollywoodiano em que se transformam excelentes livros.
E sou fã do cinema francês.
Mas um para minha extensa lista de perdidos...
(Le Escaphandre et le Papillon - França / EUA, 2007 / Brasil 2008 - 112 min)
Direção: Julian Schnabel.
Roteiro: Ronald Harwood adaptando livro de Jean-Dominique Bauby.
Elenco: Mathieu Amalric, Emmanuelle Seigner, Marie-Josée Croze, Anne Consigny, Max von Sydow, Marina Hands, Isaach De Bankolé.
Gênero: Drama, Biografia.

Texto Escrito por: Nora Borges www.verbeat.org/blogs/linguademariposa/

3.6.09

Lia

Quero retornar a minha sina,
áquela menina que dedicou-me um beijo.
Quero retornar ao tempo de Lia,
na esquina reencontrar o seu olhar,
retornar ao beijo apaixonado
e desejo quase proibido.
Quero retornar as tardes frias,
as noites geladas,
a fogueira de São João.
Quero retornar a mocidade,
ao canto da cidade,
ao meu portão.
Quero retornar o tempo de Lia,
Amar escondido a Lia.
Ter a Lia sem medo e pudor.
Que pena: Lia passou, eu passei
fiquei perdido no tempo.
Perdi as contas dos janeiros
das paixões e dos amores.
Perdi a mocidade,
perdi a vaidade na janela de Lia.


Te amarei

Te amarei eternamente,
eternamente enquanto durar nossas vidas,
ou nossos encantos.
Te amarei,
mesmo estando distante,
mesmo estando ausente.
Mesmo sem contatos
nossos corpos se encontram,
se encontram e se descobrem.
Te amarei na ausência,
na distância,
nas flores que ilustram,
no poema que tece,
na voz que entoa
hinos de louvor.
Te amarei
nos riscos curvos
de uma história sem fim.
Te amarei eternamente.

2.6.09

Como é bom ser jovem


As quatro enxadas



Zé estava ciente que tinha que sair de casa mais cedo possível para procurar serviço. Irritado, não é de agora que o mundo vem prevendo uma escassez. O plantio de café está acabando. Culpa de quem? Do governo que não cuida desse povo miserável que passa fome? E por falar em fome sua reserva de mantimentos está no fim. Ainda bem que a mulher tem leite nos peitos par dar sustento ao guri. Mas se ela não comer o leite acaba. Logo agora que tem um pequeno de três meses em casa o ex-patrão resolve trocar o cafezal por pasto. Não vai ter lugar para todos, disse ele, e então foi dispensado. Dispensou todos. Só a família do dono dava conta de cuidar do gado.
Ainda bem que o compadre João emprestou meia-água nos fundos para passar uns tempos. Quem sabe Zé vire bóia-fria e suba no primeiro caminhão que parecer na vila. Mas lá também estão dispensando trabalhadores. Os seus pertences são poucos. O de mais valia era o berço do neném, não é novo foi oferecido por uma família amiga, não teria mais serventia, as crianças cresceram.
Há uma informação que na fazenda do Sr. Fabriciano, uma boa caminhada da vila, estão precisando de uma família para serviços de enxadas. Zé foi, saiu antes do sol apontar no horizonte. Levava no embornal um marmita com pouca coisa: mandioca cozida, arroz e dois ovos fritos, acredita que não dá tempo de voltar até a hora do almoço. Água não levou, deve ter riacho pelo caminho. E depois o povo da roça nunca nega água para quem tem sede. Foi caminhando, cruzando estradas e trilhas. Cafezais e pastos, estes muitos maiores, aqueles já se acabando. Dá dó ver os cafezais morrendo. Já vai longe o tempo da fartura do café quando tinha serviço para todos. Ou melhor, todos que tinham coragem de trabalhar. Chorar não é bom, trabalhar é preciso para se viver e serviço terá. Chegando na fazenda foi logo questionando pelo Fabriciano, procura daqui, descansa dali, refresca ademais na sombra duma mangueira. Que bom se a vida fosse só sombra e água fresca. Até que enfim a entrevista com o Sr. Fabriciano, homem bom, matuto, mineiro de Uberaba, distante de um fazendeiro arrogante e cheio de si. Rico sim, mas trabalha na roça com os subordinados. O homem é bom, está disposto a empregar. A primeira pergunta de Fabriciano para o Zé foi: Quantas enxadas o Sr. tem? Prontamente e sem titubear, na lata, o Zé respondeu: Quatro! No que diante da resposta o Sr. Fabriciano disse ao Zé que poderia ocupar uma casa da colônia, a última na beira do cafezal está vaga.
Zé, todo faceiro mudou no Domingo. Vai trabalhar, ganhar dinheiro, dar sustento para a família e talvez sobre dinheiro para substituir sua botina rota, já rasgando. Teve cuidado especial com as enxadas, amolou-as, passou lixa e vela nos cabos.
Na segunda feira esperava as ordens, chega o Sr. Fabriciano à cavalo. Cavalo branco, chapéu marrom, esporas prateadas, agora parece mais com fazendeiro, garboso, cheiro de si. Foi logo perguntando pela família. Zé orgulhoso, mostra porta da casa, lá estava a mulher com o guri no colo. Fabriciano não acredita que houve um mal entendido. Olha para o outro lado da parede e lá estão quatro enxadas prontas para o trabalho. Esse pessoal da cidade não entende, resmungou Fabriciano, quando voltava com as ordens já encomendadas ao Zé. Será que Fabriciano, o mineiro em terra Paranaense falou mineirês? Quando perguntou ao então candidato a emprego quantas enxadas tinha na família, ele na verdade queria dizer, quantas pessoas estão aptas a trabalhar, e não o número de ferramentas.
O Zé continuou trabalhando sem saber do engano que cometera. O fazendeiro, com gestos de matuto, entendeu que o Zé não mentiu e nem enganou, queria serviço e teve serviço. Fabriciano resmungou consigo mesmo: Um dia ele descobrirá o engano.