2.6.09

As quatro enxadas



Zé estava ciente que tinha que sair de casa mais cedo possível para procurar serviço. Irritado, não é de agora que o mundo vem prevendo uma escassez. O plantio de café está acabando. Culpa de quem? Do governo que não cuida desse povo miserável que passa fome? E por falar em fome sua reserva de mantimentos está no fim. Ainda bem que a mulher tem leite nos peitos par dar sustento ao guri. Mas se ela não comer o leite acaba. Logo agora que tem um pequeno de três meses em casa o ex-patrão resolve trocar o cafezal por pasto. Não vai ter lugar para todos, disse ele, e então foi dispensado. Dispensou todos. Só a família do dono dava conta de cuidar do gado.
Ainda bem que o compadre João emprestou meia-água nos fundos para passar uns tempos. Quem sabe Zé vire bóia-fria e suba no primeiro caminhão que parecer na vila. Mas lá também estão dispensando trabalhadores. Os seus pertences são poucos. O de mais valia era o berço do neném, não é novo foi oferecido por uma família amiga, não teria mais serventia, as crianças cresceram.
Há uma informação que na fazenda do Sr. Fabriciano, uma boa caminhada da vila, estão precisando de uma família para serviços de enxadas. Zé foi, saiu antes do sol apontar no horizonte. Levava no embornal um marmita com pouca coisa: mandioca cozida, arroz e dois ovos fritos, acredita que não dá tempo de voltar até a hora do almoço. Água não levou, deve ter riacho pelo caminho. E depois o povo da roça nunca nega água para quem tem sede. Foi caminhando, cruzando estradas e trilhas. Cafezais e pastos, estes muitos maiores, aqueles já se acabando. Dá dó ver os cafezais morrendo. Já vai longe o tempo da fartura do café quando tinha serviço para todos. Ou melhor, todos que tinham coragem de trabalhar. Chorar não é bom, trabalhar é preciso para se viver e serviço terá. Chegando na fazenda foi logo questionando pelo Fabriciano, procura daqui, descansa dali, refresca ademais na sombra duma mangueira. Que bom se a vida fosse só sombra e água fresca. Até que enfim a entrevista com o Sr. Fabriciano, homem bom, matuto, mineiro de Uberaba, distante de um fazendeiro arrogante e cheio de si. Rico sim, mas trabalha na roça com os subordinados. O homem é bom, está disposto a empregar. A primeira pergunta de Fabriciano para o Zé foi: Quantas enxadas o Sr. tem? Prontamente e sem titubear, na lata, o Zé respondeu: Quatro! No que diante da resposta o Sr. Fabriciano disse ao Zé que poderia ocupar uma casa da colônia, a última na beira do cafezal está vaga.
Zé, todo faceiro mudou no Domingo. Vai trabalhar, ganhar dinheiro, dar sustento para a família e talvez sobre dinheiro para substituir sua botina rota, já rasgando. Teve cuidado especial com as enxadas, amolou-as, passou lixa e vela nos cabos.
Na segunda feira esperava as ordens, chega o Sr. Fabriciano à cavalo. Cavalo branco, chapéu marrom, esporas prateadas, agora parece mais com fazendeiro, garboso, cheiro de si. Foi logo perguntando pela família. Zé orgulhoso, mostra porta da casa, lá estava a mulher com o guri no colo. Fabriciano não acredita que houve um mal entendido. Olha para o outro lado da parede e lá estão quatro enxadas prontas para o trabalho. Esse pessoal da cidade não entende, resmungou Fabriciano, quando voltava com as ordens já encomendadas ao Zé. Será que Fabriciano, o mineiro em terra Paranaense falou mineirês? Quando perguntou ao então candidato a emprego quantas enxadas tinha na família, ele na verdade queria dizer, quantas pessoas estão aptas a trabalhar, e não o número de ferramentas.
O Zé continuou trabalhando sem saber do engano que cometera. O fazendeiro, com gestos de matuto, entendeu que o Zé não mentiu e nem enganou, queria serviço e teve serviço. Fabriciano resmungou consigo mesmo: Um dia ele descobrirá o engano.

























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