16.5.09

É NATAL


O sol apregoava a costa de Zozé ali emborcado catando as maçãs de algodão que relavam no chão. Estão úmidas, vão render mais no peso. Zozé não levanta já faz quase vinte minutos. Suas costelas danam a doer, é sinal dos tempos que estão passando. O peso da idade judia da gente, não rende mais.
Será que vai chover Zozé?
Vai não, hoje você vai ter que mijar no fardo.
Eles desconfiam Zozé!
O sol estava a pino, longe via-se uma manada de nuvens negras se achegando e se acomodando para juntar chuva.
À tarde, depois da bóia chove Zozé.
Cê num é adivinhadô!
Não é advinhadô Zozé, é adivinho.
Se qué ensiná, vai ser professor e não catadô de algodão!
Calma Zozé, eu apenas quis ajudar. Nós estamos tudo na merda mesmo. Amanhã é Natal você sabia Zozé?
E daí? Você vai chamar o papai Noel? Lá em casa não tem dessas coisas não.
Zozé sempre viveu e acredita que sempre viverá da roça. Mas essa roça de hoje não é como a de antigamente. No seu tempo de homem moço, forte, raçudo, era meeiro, morava na colônia, tomava água da mina e banho no riacho. Agora tudo é difícil, tem que pagar aluguel, pagar água, pagar luz, o dinheiro que tira não dá para nada. Nunca imaginou que teria de trabalhar duro até véspera de Natal. Para ele Natal nunca foi grande coisa, tinha as rezas, as novenas nos sítios vizinhos. Na cidade não, o povo enche a cara. Tá todo mundo querendo beber e ficar incomodando os que querem paz.
Zozé! Você tem carne no almoço hoje?
Que nada! Só tem um zoião mesmo.
A carne é rara, aparece mais nos discursos utópicos dos sonhadores comedores de zoião. O ovo frito, que outrora era a esperança da continuação das galináceas, torna-se esperança de vida e alimento dos desesperados catadores de riqueza.
Zozé! Um dia ainda vou ficar rico, você vai ver. Vou ajudar toda esse gente pobre que precisa trabalhar na véspera de Natal.
É bom você trabalhar, senão nem para comer amanhã você tem. Deixa para sonhar de noite.
As bolas de algodão verdes incitavam a imaginação de Zozé, parecem bolinhas das árvores de natal. Zozé não entendia por que ele não encontrou ainda no mato uma árvore igual aquela. É pinheiro, disse certa vez dona Nina, não tem no mato. Porque será que não usam uma árvore fácil de encontrar? Como a mangueira? Ou jabuticabeira? Que são mais bonitas?
Zozé! Você sabe o que o pessoal vai fazer hoje a meia noite?
É a missa do Galo?
Zozé!! Oh Zozé!! Acorda homem de Deus. Será que não lembra que a Missa do Galo é na Sexta-Feira Santa?
Ah é?! Achei que era na Missa do Galo que aparecia o papai Noel, como o Galo não canta ele não aparece. E aonde é que ele aparece que eu nunca vi um de verdade?
Para Zozé, todos os que ele encontrou fantasiados de velhinhos vermelhos, eram na verdade personagens disfarçados de Papai Noel. Seu pai como não podia presentear a prole de 10 filhos, contou-lhe a verdade muito cedo. Assim, aprendeu na vida a diferenciar sonhos de realidade. Os Natais eram sempre iguais, e Zozé sabia que tinha que se esforçar para não ser alienado pela propaganda. Ou seria sentir inveja? Não! Zozé não era invejoso. Seu pai ensinou todos a conformarem com a situação, e pelo menos trabalhar para não passar fome. O Natal não coloca comida na mesa, não paga suas contas. Então! Como pode ficar em casa de papo para o ar e dizer que é Natal?
Zozé!? Hei Zozé! Você vai comemorar o Natal em sua casa?
Eu vou rezar na igreja.
Não estou falando de rezar. Estou falando de festejar, tomar umas cachaças.
E rezar não é comemorar? Será que Jesus Cristo quer que eu encha a cara para comemorar o nascimento Dele?
Zozé sabia, era esperto, apesar da simplicidade e da ignorância em certos assuntos de banco de escola que alguns teimam em dizer que é burrice, que para comemorar não é preciso encher a cara. Basta respeitar como ele respeitava. Basta amar o semelhante como ele amava. Como também basta viver como ele vivia.
Era véspera de Natal, as bolas de algodão lembravam luzes. A chuva aproximava, o vento balançava as folhas e Zozé ali na labuta embodocado catando as maçãs, as de baixo estão mais pesadas. Vai chover, que bom! Não será preciso mijar no fardo.

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