11.3.18

Lembranças: O carrapicho e eu




Quando tinha 16 anos, estudava a noite e fui trabalhar no supermercado do Mazinho, em Cruzeiro do Sul- Pr. O mercado era pequeno, tinha apenas eu de funcionário. Trabalhava ali a família toda do Mazinho, ele a esposa, dois filhos adolescentes e eu. Era mês de dezembro e o feriado de Natal se aproximava.
Para contar esse caso preciso explicar quem era o carrapicho. Era um maltrapilho, não sei se posso dizer isso dele. Não tinha morada, então podemos considerar que era um morador de rua. Era sabido que dormia no salão paroquial, atrás da igreja católica. Seu aspecto lembrava uma pessoa alcoolizada. Não se cuidava, sempre a barba e o cabelos por fazer. Alguns diziam que ele tinha problemas mentais e assim contavam várias histórias sobre o coitado do carrapicho. Acredito que ele vivia de pequenos bicos e de doações. As crianças e jovens sentiam medo dele devido ao modo como se vestia, não era adepto a banhos. Nunca soube que era uma pessoa má, e não era. Quando alguém perguntava de onde viera ele respondia que veio de Três Corações, a cidade de Pelé. Em outras vezes dava respostas diferente a mesma pergunta.
Na véspera de Natal o Sr. Mazinho me convidou para almoçar no dia seguinte na casa dele, com a família. Me senti importante e com medo. Era a primeira vez que iria almoçar na casa de alguém que não fosse parente. Para mim ele era rico e em minha pequena cabeça de adolescente ricos e pobres não se misturavam. Eu era o empregado e ele o patrão. Então fui. Foi a primeira vez que almocei sentado todos em uma mesa. Em casa isso não acontecia. Foi a primeira vez que usei garfo e faca. Na mesa somente a família: o pai do Mazinho, a esposa, os dois filhos adolescente e uma menina ainda criança e além de mim estava também o carrapicho.
O Sr. Mazinho poderia ter convidado pessoas de seu círculo de amizade como prefeito, vereadores e outros. Mas, como homem de bom coração convidou um morador de rua. Uma pessoa que certamente passaria a natal esquecido por muitos, mas não foi esquecido pelo Mazinho. No início eu estranhei. Depois de refletir percebi que aquele gesto de convidar o carrapicho mostrou para mim que estava na casa de uma família acolhedora, que pensa no outro. Eu era tímido, se tivesse mais curiosidade tinha aprendido grandes lições de vida com o Mazinho e também com o carrapicho.
Hoje o Mazinho já deve ser avô e bisavô e ainda mora na mesma cidade. O mercado fechou, no prédio funciona uma loja de uma amiga minha de infância. O Carrapicho, soube depois que a família veio buscar, ele foi encontrar os seus.

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