7.7.22

Poema solto

 


 

Acabei com tudo:

com a minha vida

com a minha graça, com tudo.

Desfolhei a flor da lapela

senti o cheiro de enxofre

de meu coração queimando

... Cinzas no estômago...

Vomitei ácidos pelos braços

abertos da avenida.

Contei meus segredos obscenos

a uma multidão sedenta

gritando por vingança de algo

que desconheço.

Clamei por piedade

recebi a luz do sol ardente

dei um sorriso e chorei.

Chorei, chorei não como

uma alma arrependida.

Chorei como um adorado rei

que perdeu o seu trono

e ganhou a paz da solidão.

21.9.21

Doce encanto

 


 

Todo dia eu vou como um amante,

Imaginando felicidade nas solitárias ruas

Solicitar a você meu doce encanto

Um doce olhar que facilmente me cativa.

 

A esperança não cessa e nem morre

Surge da luz sobre as nebulosas

Chega em seguida as cordas do coração

Produz doces encantos e vermelhas rosas.

 

Bendito esse amor infiltrado na alma

Esse amor que infelicidade lhe traz

Os outros que desconhecem o todo

E que em parte sofrer lhe faz

 

Meu doce encanto que na berlinda lastima

Espere, pois, a felicidade está a caminho

Rirá o riso da deusa que na ágora ensina

Viverá a felicidade eterna sem espinho.

23.8.21

Natal

 


O sol apregoava a costa de Zozé ali emborcado catando as maçãs de algodão que relavam no chão. Estão úmidas, vão render mais no peso — dizia. E Zozé não levantava já fazia quase vinte minutos. Suas costelas danaram a doer em sinal do tempo que estava passando.

— O peso da idade judia da gente, não rende mais.

— Será que vai chover Zozé?

— Vai não, hoje você vai ter que mijar no fardo.

— Vou nada, eles desconfiam Zozé!

O sol estava a pino, longe via-se uma manada de nuvens negras se achegando e se acomodando para juntar chuva.

— À tarde, depois da boia chove Zozé.

— Cê num é adivinhadô!

— Não é advinhadô Zozé, é adivinho.

— Se qué ensiná, vai ser professor e não catadô de algodão!

— Calma Zozé, eu apenas quis ajudar. Nós estamos tudo na merda mesmo. Amanhã é Natal você sabia Zozé?

— E daí? Você vai chamar o papai Noel? Lá em casa não tem dessas coisas não.

        Zozé sempre viveu e acredita que sempre viverá da roça. Mas essa roça de hoje não é como a de antigamente. No seu tempo de homem moço, forte, maçudo, era meeiro, morava na colônia, tomava água da mina e banho no riacho. Agora tudo é difícil, tem que pagar aluguel, pagar água, pagar luz, o dinheiro que tira não dá para nada. Nunca imaginou que teria de trabalhar duro até véspera de Natal. Para ele Natal nunca foi grande coisa, tinha as rezas, as novenas nos sítios vizinhos. Na cidade não, o povo enche a cara. Tá todo mundo querendo beber e ficar incomodando os que querem paz.

— Zozé! Você tem carne no almoço hoje?

— Que nada! Só tem um zoião mesmo.

A carne é rara, aparece mais nos discursos utópicos dos sonhadores comedores de zoião. O ovo frito, que outrora era a esperança da continuação das galináceas, torna-se esperança de vida e alimento dos desesperados catadores de riqueza.

— Zozé! Um dia ainda vou ficar rico, você vai ver. Vou ajudar toda essa gente pobre que precisa trabalhar na véspera de Natal.

— É bom você trabalhar, senão nem para comer amanhã você tem. Deixa para sonhar de noite.

        As bolas de algodão verdes incitavam a imaginação de Zozé, mais pareciam bolinhas das árvores de natal. Não entendia por que não encontrou ainda no mato uma árvore igual àquela. “É pinheiro!” não tem no mato — disse certa vez dona Nina. E indagou: “Por que será que não usam uma árvore fácil de encontrar? Como a mangueira? Ou jabuticabeira que são mais bonitas?”

— Zozé! Você sabe o que o pessoal vai fazer hoje a meia noite?

— É a missa do Galo?

— Zozé!! Oh Zozé!! Acorda homem de Deus. Será que não lembra que a Missa do Galo é na Sexta-Feira Santa?

— Ah é?! Achei que era na Missa do Galo que aparecia o papai Noel, como o Galo não canta ele não aparece. E aonde é que ele aparece que eu nunca vi um de verdade?

        Para Zozé todos os que ele encontrou fantasiados de velhinhos vermelhos, eram na verdade personagens disfarçados de Papai Noel. Seu pai não podia presentear a prole de 10 filhos, contou-lhe a verdade muito cedo. Assim, aprendeu na vida a diferenciar sonhos de realidade.

Os Natais eram sempre iguais, e Zozé sabia que tinha que se esforçar para não ser alienado pela propaganda. Ou seria sentir inveja? Não! Zozé não era invejoso. Seu pai ensinou-os a se conformarem com a situação, e pelo menos, trabalhar para não passar fome. O Natal não coloca comida na mesa, não paga contas. Então! Como pode ficar em casa de papo para o ar e dizer que é Natal?

— Zozé!? Hei Zozé! Você vai comemorar o Natal em sua casa?

— Eu vou rezar na igreja.

— Não estou falando de rezar. Estou falando de festejar, tomar umas cachaças.

— E rezar não é comemorar? Será que Jesus Cristo quer que eu encha a cara para comemorar o nascimento dele?

Zozé sabia das coisas, era esperto, apesar da simplicidade e da ignorância em certos assuntos de banco de escola que alguns teimam em dizer que é burrice. Que para comemorar não é preciso encher a cara e basta respeitar como ele respeitava. Basta amar o semelhante como ele amava. Como também basta viver como ele vivia.

Era véspera de Natal, as bolas de algodão lembravam luzes. A chuva aproximava, o vento balançava as folhas e Zozé ali na labuta embodocado catando as maçãs de baixo que estavam mais pesadas. Olhou para o céu e disse ­Vai chover, que bom! Não será preciso mijar no fardo.

19.8.21

Microcontos

 

Palavras: Saudar, janeiro e suéter.

 

Não passou pela sua cabeça saudar a chegada de janeiro com o suéter surrado que ganhou de sua avó.

 


Palavras: Roxo, caixa e turistas.

 

João sorriu aliviado quando o ônibus roxo lotado de turistas estacionou. Apressou-se, pois ainda tinha mais uma caixa de mantimentos para guardar.