Numa quarta-feira quente, depois do
expediente, passei no bar da esquina para tomar uma água tônica com gelo.
Estava pensando em como resolver os percalços da vida e observando os diversos
tipos físicos que frequentam o ambiente, de repente um vereador. Isso mesmo um
vereador deu um toque em meu ombro e sentou na cadeira que estava vazia. Pensei
porque fui deixar uma cadeira vazia ali do meu lado. Cumprimentou eu em particular
e os demais por atacado. Pediu uma pinga. Uma pinga?
Eu que até então acreditava que ele era evangélico. Mas tudo bem. E começou o
papo.
“Professor fiquei sabendo que o senhor
está organizando esse negócio de Plano Municipal de Educação, não é mesmo?
Então é que tem uma coisa lá que quero discutir, esse negócio de gênero, sabe
como é né? O pastor da minha igreja, um homem estudado que explica para a gente
direitinho a bíblia. Então... ele disse que esse negócio de gênero é do capeta,
que vai acabar com a família. Então professor como tá esse negócio”
Fiquei quieto observando o dito
autoridade expor seus argumentos e toda a sua sabedoria. Em alguns momentos
parece que ia babar e jogar para fora toda pinga que tomou. Mas não. Ainda no
meio da conversa pediu mais uma dose e tentou explicar.
“Sabe! O pastor não sabe que eu tomo
umas pingas. Mas sabe como é né? A gente precisa de uma igreja e nessa o pastor
me ajuda a convencer os eleitores. E depois só tem eu de vereador lá. Sabe como
é? O vereador tem que estar onde o povo está. Principalmente em velório, lá o
povo vê a gente como humano e até dá para ganhar alguns votos. Então professor?
Esse negócio de gênero como é que é?”
Fiquei imaginando uma maneira de
explicar a essa digníssima autoridade para que ele entenda. Foi então que saiu.
“Bem vereador, não se preocupe, pois
contratamos um filólogo para analisar o texto do plano e ele trocou todas as
palavras gêneros por sinônimos. E mais ainda ele trocou também as palavras
generoso, general, generalidade e mais algumas para não provocar confusão”
“Nossa professor, o senhor é inteligente
mesmo. Sinônimo o pastor não falou nada não. Acho que sinônimo tá bom né? Se
fosse coisa ruim o pastor tinha falado. E esse cara que você disse que
contratou é de Deus?”
“É de Deus sim vereador, ele é daquela
igreja ali da outra esquina. Primo do pastor. Ele estava agora pouco aqui.
Tomou uma cerveja e foi embora. É fácil encontrar ele, sempre está com um livro
de filologia na mão. É para usar o português corretamente.”
“Que bom professor. Eu estava preocupado.
Já pensou se a gente aprova esse plano e depois esse gênero destrói a família de
nossa cidade. O pastor não gosta mas eu tenho duas famílias. Ainda bem que nem
todos os eleitores sabem disso. Mas sabe como é né? A gente vai futricando
aqui e ali e as coisas acontecem.”
Que hipocrisia. Que ignorância. Que
analfabetismo. Mas a vida é assim, temos os legisladores que elegemos.
“Que bom não é professor. Conversando a
gente entende. Que bom que o senhor explicou tudo. Mas professor estou indo
porque ainda tenho um velório para ir. Você sabe né? Se vereador não vai a
velório pega mal.”
Ele se despediu e foi. Ainda bem. Espero
que a história do filólogo o tenha convencido. Ou ele por não saber o que é um
filólogo, ficou com vergonha de dizer e aceitou sem questionar. Fiquei indignado
e imaginando que pessoas votam num analfabeto para ser legislador. Para aliviar
a indignação e raiva, tomei uma cerveja e fui embora.
Valter Figueira
Professor, poeta e prosador. Reside em Carlinda-MT.
Um comentário:
Essa é a real figura de nossos representantes. Espero que, com toda essa divulgação, as pessoas possam procurar informações sobre as pessoas nas quais estão votando. Muita paz!
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